O LABIRINTO DA COMPARAÇÃO

O LABIRINTO DA COMPARAÇÃO

Quanto mais você tenta sair, mais parece estar preso.

O LABIRINTO DA COMPARAÇÃO

“Ele parou diante da mesa, uma mesa que parecia não ter fim. Era um desfile de doces vindos de todos os cantos: massas folhadas com nomes impossíveis de pronunciar, superfícies espelhadas de chocolate escuro que capturavam a luz como pequenos lagos silenciosos, pingos dourados de caramelo pousados sobre frutas que mais pareciam ter sido colhidas de um sonho do que de um pomar real. Na mão, um prato pequeno. Havia escolhido algo — não lembrava exatamente o quê. Mas o doce escolhido já não importava, porque seu olhar tinha partido antes dele: vagava por pratos alheios, por talheres pousados nas mãos de outros, como se o sabor do outro tivesse algo mais do que e o próprio.

Foi então que a dúvida se aproximou, primeiro discreta, depois insistente, como uma névoa que encobre tudo sem que percebamos o momento exato em que chegou. “E se aquele fosse melhor?”… “Será que escolhi certo?”… “E se eu tivesse esperado um pouco mais?” Mal notara que já fazia tempo que nada levava à boca. O doce estava ali, mas não o sabor. O prato existia, mas não a experiência. Era como segurar uma promessa e nunca deixá-la se cumprir.”

A comparação — esse drama tão íntimo — não é invenção moderna, tampouco produto de novas tecnologias. Muito antes das vitrines digitais, dos filtros luminosos e das vidas editadas, o impulso de medir-se pelo outro já acompanhava a experiência humana. Desde cedo aprendemos olhando para o lado. A criança não se ergue apenas pelas próprias pernas: ela observa quem caminha à frente, mede a distância, tenta repetir o gesto. É assim que descobre, é assim que aprende. No início, comparar é um instrumento — uma espécie de trilha aberta pelos passos de outros, que nos ajuda a evitar buracos e encontrar caminhos. Mas quando passamos tempo demais com os olhos fixos nessas pegadas alheias, deixamos de ouvir o próprio ritmo. E quem não escuta o próprio passo acaba confundindo direção com velocidade, movimento com pressa, vida com corrida.

Há quem, ao observar o ritmo do outro, passe a duvidar do próprio tempo. Quem vê alguém avançar com segurança pode, de repente, sentir seus próprios passos vacilarem, como se o caminho que antes parecia suficiente tivesse encolhido. Há também quem, percebendo o reconhecimento que o outro recebe, comece a tratar o próprio esforço com desconfiança, como se aquilo que faz tivesse valor apenas quando comparado ao aplauso alheio. E há quem, preocupado demais com o que brilha fora, deixe de notar o que amadurece dentro. O problema não está em olhar para o lado, mas em permitir que esse olhar desloque nosso centro — em transformar a comparação numa lente que distorce, e não numa ferramenta que orienta.

Cada vida é um jogo cujas regras ninguém vê por completo. Não existem tabuleiros iguais, nem peças embaralhadas do mesmo jeito. Há quem comece com vantagens evidentes, com a rainha bem posicionada desde o primeiro lance. Outros precisam aprender a jogar com peões atrasados — e, ainda assim, vencem. E é justamente aí que algo essencial se revela: a dignidade não reside no ponto de partida, mas na arte silenciosa de aprender a mover o que se tem, de compreender o valor das próprias peças e descobrir, passo a passo, que a força de um caminho raramente depende do privilégio inicial, mas da maneira como se caminha.

Manter a atenção voltada para a o outro deixa a própria vida às escuras. Aquilo que poderia ter sido apreciado — um gesto, uma palavra, uma delicadeza qualquer — perde o encanto simplesmente por não ser visto. E porque o olhar está sempre do lado de fora, forma-se a impressão constante de que existe alguém com mais brilho, mais espaço, mais luz. É assim que o presente é sequestrado: não porque alguém o toma à força, mas porque o indivíduo o abandona ao dedicar sua presença ao que não é seu. A comparação sem discernimento age desse modo — não apenas distorce a imagem que temos de nós mesmos, mas desarticula a capacidade de perceber o que nos pertence. E quando o olhar se torna estranho à própria vida, nada pode ser realmente saboreado.

Talvez a sabedoria consista em aceitar que jamais veremos os bastidores da vida de alguém. O que chega até nós é sempre o palco iluminado, nunca o cansaço nos bastidores, as tentativas mal sucedidas, o silêncio que antecede cada acerto, o medo que acompanhou muitos passos. Medir o nosso caminho por aquilo que vemos dos outros é, no mínimo, injusto — e quase sempre irreal.

A comparação se torna útil quando troca o espelho que condena pela régua que orienta. É aí que a liberdade se aproxima: no momento em que finalmente abaixamos os olhos para o nosso próprio prato, sentimos o aroma do que nos pertence e permitimos que o sabor se revele com o tempo que ele exige. Porque viver não é descobrir qual doce da mesa é o melhor, nem acertar o movimento perfeito no primeiro lance. Viver é permanecer atento ao agora, tratar com cuidado o que já está em nossas mãos e reconhecer que o valor de quem somos não mora no que falta, mas na delicadeza com que acolhemos o que já temos.

 

1 - ESTÁ NA HORA DE DESCOBRIR ALGO NOVO.

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