A CONTA DA GRATUIDADE

A CONTA DA GRATUIDADE

Programas de gratuidade como energia, gás e CNH Social parecem avanços, mas escondem um custo invisível: dependência, impostos e retrocesso social.

A CONTA DA GRATUIDADE

 

O Brasil é um país curioso. É a nação onde a promessa da gratuidade se tornou a moeda mais cara que existe. Aqui, quando o governo anuncia que algo será “de graça”, muita gente aplaude, mas o eco desse aplauso se perde na conta de luz, no preço do pão, na gasolina  e no imposto que nunca descansa.

A notícia da criação da tarifa social de energia elétrica, destinada a aproximadamente 60 milhões de pessoas, é apresentada como um marco de justiça social. O número não é pequeno: representa quase um terço da população brasileira. Para se ter uma dimensão mais nítida, o Brasil possui algo em torno de 212 milhões de habitantes, dos quais cerca de 150 milhões estão em idade e condições de trabalho. Ora, se 60 milhões de pessoas recebem energia sem pagar pelo consumo, isso equivale a 40% da população que poderia estar produzindo,  sendo colocada na condição de dependência direta do Estado.

Não é coincidência que o número de beneficiários se aproxima perigosamente do número de votos que elegeu o governo atual — pouco mais de 60 milhões. A "coincidência" talvez seja apenas estatística, mas o efeito é político: uma massa desse tamanho não apenas garante eleições, mas sustenta o poder com raízes quase inamovíveis. Quem depende para viver dificilmente ousa contrariar quem fornece. A gratuidade, nesse caso, não é uma dádiva: é uma corrente invisível.

A conta, porém, não desaparece. A energia elétrica não brota de graça nas tomadas. O que não sai do bolso de uns, entra em dobro no bolso de outros. As empresas fornecedoras de energia não se transformaram, de repente, em entidades filantrópicas; ao contrário, repassam o custo àqueles que não estão inscritos no programa. Eis a ironia: o discurso é de justiça social, mas a prática é injustiça tributária, travestida de bondade. Aquilo que chamam de “avanço histórico” nada mais é do que redistribuição forçada, onde quem já paga caro paga ainda mais, para que outros possam viver na ilusão do gratuito.

Esse mesmo raciocínio se repete em políticas como o Auxílio Gás ou a chamada CNH Social. Em cada uma dessas iniciativas, há sempre a promessa de inclusão, de oportunidade, de equidade. Mas há também o efeito silencioso: a criação de dependência. O indivíduo que sabe que perderá seu benefício se declarar renda maior, muitas vezes prefere não trabalhar, ou trabalhar na informalidade. E quando o Estado premia a inércia, a consequência não é difícil de prever: menos pessoas buscando se desenvolver, menos responsabilidade individual, mais acomodação coletiva.

Isso não significa que programas assistenciais sejam, em si, malditos. Eles podem ser necessários em contextos de crise, podem resgatar famílias em situação de vulnerabilidade extrema. O problema é quando o provisório se transforma em permanente, quando a emergência se converte em estrutura. A política, nesse caso, não busca emancipar o cidadão, mas domesticá-lo. O homem deixa de ser agente da própria vida e passa a ser refém da benesse estatal.

É interessante notar que o governo que hoje apresenta tais medidas como conquistas é o mesmo que, há mais de 20 anos, não conseguiu criar condições para que essas benesses se tornassem desnecessárias. Se após duas décadas de poder, a população ainda precisa de energia gratuita, gás subsidiado e habilitação custeada com dinheiro público, então há duas opções de interpretação: ou esse governo é incompetente em gerar desenvolvimento, ou é eficiente demais em gerar dependência.

As consequências sociais desse modelo são profundas. A dependência não destrói apenas a economia, mas a própria fibra moral de um povo. O indivíduo que vive do benefício, cedo ou tarde, perde o incentivo de buscar autonomia. O trabalho, que deveria ser fonte de dignidade, passa a ser visto como risco: risco de perder o auxílio, risco de “ganhar demais” e ser excluído. O Estado, nesse ponto, transforma-se num tutor que nunca deseja ver o pupilo crescer, porque sua autoridade depende da eterna minoridade dos governados.

E há ainda o aspecto psicológico. Para que tal sistema seja aceito, é preciso moldar a mentalidade coletiva. O beneficiário é levado a acreditar que recebe um direito, quando na verdade recebe um favor político sustentado pelo sacrifício alheio. E o cidadão que paga a conta é induzido a se calar, pois qualquer crítica ao modelo é rotulada como insensibilidade ou falta de compaixão. O resultado é uma sociedade dividida: de um lado, os que aplaudem por gratidão; do outro, os que suportam em silêncio por medo de parecer cruéis.

A retórica da justiça social se apoia na promessa de que todos terão acesso ao mínimo. Mas o verdadeiro conceito de justiça exige que cada um pague pelo que consome e seja livre para produzir o que deseja. O contrário disso é injustiça: é obrigar parte da população a sustentar outra parte indefinidamente. É claro que há quem veja nisso um ideal de solidariedade, mas trata-se de solidariedade imposta, e a solidariedade forçada não é virtude — é confisco.

O discurso que chama esse tipo de medida de “avanço histórico” omite uma verdade simples: enquanto o povo festeja o presente embrulhado em fita vermelha, o futuro se empobrece. A cada benefício anunciado, aumenta a carga de impostos, cresce o custo de vida, multiplica-se a dificuldade de empreender. O cidadão recebe o gás subsidiado, mas paga mais caro pelo alimento. Recebe a energia gratuita, mas paga mais caro pela água, pela gasolina, pelo transporte. O que se oferece de um lado é retirado do outro, só que com juros.

Quando um governo permanece por décadas e ainda precisa sustentar sua legitimidade com programas assistenciais, a confissão é involuntária: não conseguiu libertar sua população da pobreza. Conseguiu apenas torná-la cativa da dependência. E talvez, para seus propósitos, isso seja até mais útil. Afinal, quem depende, obedece.

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