A Era da Aparência Religiosa.
Há algo de profundamente inquietante quando a fé, essa dimensão íntima da alma, torna-se espetáculo. Não o espetáculo sagrado dos salmos ou das procissões antigas, onde cada gesto era permeado de reverência. Falo de outro tipo de cena: uma fé encenada, amplificada, estrategicamente iluminada, como se o divino precisasse de holofotes para se fazer presente.
A figura que outrora conduzia o rebanho com temor e tremor, hoje por vezes se apresenta como astro principal de uma narrativa que flutua entre o entretenimento e o comércio. Não é mais o altar o seu lugar principal, mas a vitrine. Não se cuida mais da alma do outro — cuida-se da audiência. A palavra, antes trabalhada como se lavrasse terra sagrada, agora é ajustada à métrica dos algoritmos. E cada sermão se torna um produto. Uma embalagem brilhante para uma promessa vendável.
A fé, que deveria ser vivida no silêncio do coração e na escuridão fecunda das incertezas, foi trazida ao palco. E nesse palco, já não se busca mais o encontro com Deus — busca-se aprovação. Curtidas. Seguidores. Métricas. A salvação deixou de ser uma via estreita e passou a se parecer mais com um plano de assinatura: três passos, cinco bênçãos, sete semanas de vitória.
A liderança espiritual — esse dom árduo e sacrificial — degenera, aqui e ali, numa gestão de marca pessoal. Onde antes havia confissão, agora há branding. Onde antes havia temor, agora há marketing. O que era sagrado torna-se rentável. E o que era penitência vira pacote premium.
Mas o mais perturbador não está na conduta dos que tomam o púlpito. Está nos olhos fascinados das multidões. Ternas. Submissas. Ávidas por alguém que lhes poupe o esforço de pensar, de escolher, de duvidar. Elas não seguem a palavra — seguem o personagem. E o personagem, sabendo disso, molda-se como um ídolo: irrepreensível, inatingível, irresistível. Sua maior habilidade não é ensinar — é seduzir.
E assim, muitos se ajoelham, não diante de Deus, mas diante de uma caricatura do sagrado. Um teatro bem encenado. Um ritual onde se paga pelo êxtase da emoção e pela ilusão de pertencimento. O dízimo virou ingresso. O culto virou show. A fé virou performance.
O problema não é a eloquência. Não é o microfone. Não é a música. O problema é quando tudo isso se transforma em véu — e o véu, em vez de revelar, esconde. Quando a forma toma o lugar da essência. Quando o brilho cega. Quando o palco se torna altar, e o altar se torna empresa.
Nesse cenário, a pergunta que se cala no fundo de muitas almas permanece: ainda é possível crer sem aparecer? Ainda é possível orar sem postar? Ainda é possível servir sem vender? Ainda é possível amar o invisível sem transformá-lo em espetáculo?
Porque há uma fé que não grita. Uma fé que não se mede. Que não se exibe. Uma fé que não gera likes. Mas que regenera. Que purifica. Que atravessa o deserto sem precisar de plateia. Essa fé — simples, incorruptível, escondida — ainda existe. Ela resiste em meio ao ruído. E talvez seja ela, no fim das contas, a única capaz de nos salvar do próprio teatro que construímos.